( Bóia ) O que o mar te tira, o mar te devolve...

Boas,

O título fala-nos de uma espécie de crer que existe em cada pescador, todos os dias ouvimos expressões próprias de quem gosta desta modalidade, de quem a vive, e de quem claro já a viveu muitos anos.

Embora seja novo, levo já mais de 25 anos a pescar, e já passei por momentos muito engraçados na pesca, histórias para uma vida, história de vida, histórias que perdurarão para sempre...

Em pequeno, um tio meu dizia muito esta expressão quando pescava comigo, quando me ensinava pequenos truques, pequenos detalhes, quando juntos passávamos horas a olhar para o mar, e juntos fazíamos uns dias grandes pescas, outros grandes grades, lol. O importante era, o mesmo que ainda hoje é, com a pequena diferença, que hoje existe sem dúvida um pouco mais de consciência para a prática da modalidade, e claro outro tipo de vontades, em termos de capturas. É parte da evolução, que quase todos passamos.

Lembro-me que o que mais me irritava na pesca, ou pelo menos o que mais me marcava negativamente na altura, era a perca de um grande peixe, o que na altura, em pequeno, era difícil de gerir. Hoje com outro traquejo, com muitos exemplares de porte capturados e outros tantos perdidos, epa, a coisa é muito mais simples de gerir. O meu tio, muitos dias quando se perdia uma dourada ou um bom robalo explicava-me isso mesmo.

Um dia, estava eu na minha ilha, e tinha ido somente com ele, ele capturou um bom robalo, peixe para perto de 2 quilos, e como estávamos dentro de água alguém tinha que agarrar no peixe, eu louco, com os olhos em fogo, quis ajudar, e fui agarrá-lo, mas ele levantou as suas armas, e espetou-me na mão, assim como o anzol, me cravou num dos dedos. Com a dor, e com uns safanões que ele deu, safou-se, e eu fiquei muito stressado, muito nervoso. O meu tio, com calma, na altura, foi um bom tio, e acalmou-me, dizendo-me que acontece, e utilizou esta mesma expressão: " Calma Filipe, o que o mar te tira, ele te devolve"... E eu não entendi, o que mais me preocupava naquele momento era ele não se zangar comigo, e como estava calmo, fiquei descansado, lol.

Ao longo da vida, em muitos momentos de pesca presenciei momentos em que esta expressão se aplicava e também o sentido inverso, que paralelamente a este, é um sentido também corriqueiro entre as pescarias que fazemos...



As águas que têm estado não nos deixam margem para grande número de capturas, mas deixam espaço para algumas de bom porte. Além disso tenho pescado à bóia apenas duas horitas cada vez que lá vou. É ir para apanhar um ou dois bons peixes, e casa... Até ter uma manhã ou tarde inteira, será assim.

Com duas horitas a seguir ao trabalho decidi rumar a Costa para um bóiada, uma pescaria rápida, tinha uns quantos ralos numa garrafa e meti-me a caminho, Quando existe isco em casa, é sempre mais fácil. Apetece, vai-se.

Cheguei perto das duas horas, estava a maré quase vazia, e embora a água estivesse muito aberta, estava um pouco espumada, o que facilitava alguma captura, nos segundos que se seguiam ao embate com as rochas... Aqueles segundos mágicos fazem toda a diferença e precipitam a saída do peixe dos buracos.

Já levava a cana montada, o que não aconselho, pois no caminho pode com uma simples travagem partir a ponteira, e ao chegar foi só abrir e começar a pescar. Estavam por lá uns quantos pescadores a tentarem a sua sorte.

Os primeiros minutos foram de pouca actividade, e somente uns quantos alcorrazes deram o ar da sua graça. Estava a ver a coisa negra, e os ralos a irem rapidamente à vida, lol, comecei logo a olhar para as pedras e a pensar ir apanhar uns mouras, ou sacar umas lapas...

Continuei e quando já tinha deitado fora uns 10 peixitos, disse para mim... Chega, vou mas é beber café, a ver se a maré vira e se algum macacão sai do buraco, senão fico sem isco... Pedi para olharem para as minhas coisas e lá fui... Sentei-me, olhei para o relógio, e quando voltei o mar estava um nadinha mais escuro e com uma espuma junto a um buraco muito bom que ali há...

Comecei a insistir, a insistir, e após 2 sarguitos de palmo e 3 alcorrazes ferrados, eis que a bóia começa a andar para a direita, quando a maré estava a correr no sentido contrário, mas isto sem afundar a bóia... E pensei logo... " macaco, és tu... Vou-te tramar... E deixei-o ir... E ir... e fui-lhe esticando mais e mais, muito devagar e de repente... PRUMMMMMMMMMMM, dou-lhe a ferragem e sinto-lhe o peso, o gajo ferrado, dá uma corrida louca para a direita e quando o vejo a primeira vez... Vi logo que ia ter luta... E ao ver o lombo do meu troféu pensei percebi que o tinha que tirar rápido dali, o gajo enfiou-se com tão pouca água para os buracos da direita, e eu estava com um problema, estava a usar 0,21 mm e sabia bem que à mínima falha lá ia o peixe. Segurei-o enquanto pude, mas para não travar o drag todo pois iria partir a linha tive que o abrir um pouco e dei-lhe dois ou três metros que foram o suficiente para ele dar a volta à pedra e ficar ali ensarilhado com a linha em tensão... Uma pequena onda, uma treta de uma onda, se é que lhe posso chamar assim, foi o suficiente e PUFFFT, lá se foi o peixe. Fiquei feito parvo a olhar para ele, lá longe meio torto a ir a vidinha dele... Perdi. A pesca é mesmo assim.

Olhei para o mar... E pensei... " Xiça, um gajo passa a semana toda a trabalhar, nem almoça, vem aqui para te ver... para te cheirar... E o único peixe de jeito... que porcaria."

Sentei-me um pouco, enquanto empatava um anzol, e ia olhando para o mar, se me filmassem eu até bufava, estava capaz de ir mergulhar... atrás dele... Um senhor que lá costuma estar e com quem já meti conversa algumas vezes encolheu os ombros e disse-me " Amigo, não se arrelie, é mesmo assim, o mar ás vezes tira e outras dá..." E eu sorri e resolvi continuar. Levantei-me e voltei ao spot.

Fui tentando manter o sangue frio e tornei a insistir no mesmo buraco... Umas quantas ferragens falhadas, de peixe pequeno... E os ralos a irem à vida, devia ter uns 4 ou 5. Olhei para a garrafa e pensei... " Apanho uns caranguejos, ou sigo para bingo até isto terminar???" E como não me apetecia andar atrás de uns mouras, que os gajos correm nas horas, continuei a pescar. E vai um ralo, e vão dois ralos, e vão 3 ralos... E bóia no spot, ondinha rasa a bater na pedra, espumão e ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, cana vergada, este nem deu toque, abriu a boquinha toda... Peixe ferrado, forte, bruto... Duro. Arrancou de novo para a direita, mas desta decidi arriscar, estava já com 0,24mm e resolvi não abrir o drague e deixar o peixe dar tudo, a cana trabalhá-lo e travei-lhe a correria para as pedras... E deixei a cana em máximo esforço a bater-me bem lá em baixo, a aguentar e com mais calma, fui sentindo o seu cansaço e levantei-o muito devagar... Ao içar sempre com a cana na lateral pois era um peixe grande, pousei-o calmamente na pedra do costume... E ao agarrar no animal!!! Que surpresa... O peixe tinha o meu Sasame Yamame desfeito, todo dobrado na boca. Era o mesmo peixe... Aquele que minutos antes me fugiu... Incrível como um peixe ferido tornou a atacar como se fosse um predador... Fui mostrar ao senhor o peixe, e fartámos de rir... Desmontei a cana, e para mim estava feito, era hora de volver a casa, com o meu peixinho no saco, que vai direitinho para o forno.

Um bom peixe valeu não ter almoçado... E valeu a pena, ir ver algumas das pedras que me fazem tão feliz na vida... Um animal com 1,350 kg., um bom troféu...

É incrível quando algo assim acontece, lembrei-me de uma dourada que o ano passado fez o mesmo ao Palma, e que veio com 3 anzóis na boca. Impressionante.

Desta o mar devolveu-me o que já muitas vezes me tirou.

O meu Gordão!!!

MATERIAL:
Cana: Cormoura Corstrong 6 mt.
Carreto: Shimano Twin Power 5000 FB
Linhas: Máxima  100% Fluorocarbono; Asso Fluorocasting
Iscos: Ralos


Filipepc