* Parte II
Pois é pessoal, a paragem da maré e início da vazante ou enchente, altura mais "lucrativa" na pesca ao fundo às corvinas estava a chegar e nós estávamos lá...
Comemos qualquer coisa e preparámos as canas, duas com choco fresco, uma com caranguejo e outra com um vinil a trabalhar sozinho... A maré virara, e apenas um charroco me calhou... Confesso que desanimei um pouco, estava muito cansado, a directa moeu-me o corpo, o frio gelou-me a alma, e a moleza apoderou-se de mim. Com o sol a desabrochar o sono começou a vencer-me e deitei-me no barco e fechei os olhos, o Palma deitou-se na bóia lateral do barco e lá descansámos um bocado. Passada uma meia hora, lá abrimos os olhos e resolvemos renovar as iscadas, que estavam intactas...
O relógio marcava as 2 horas e a maré já levava cerca de 40 minutos após a viragem e eu já não tinha muito tempo até ter que me ir embora... Lançamos novamente com iscadas novas e ficámos à espera... e finalmente tive uma cabeçada vigorosa, e rapidamente agarro na cana, peixe ferrado, e rapidamente percebi que era bruto, não corria... Hmmmm, não devia ser corvina, mas fazia muita força, dava muitas cabeçadas e chegou a levar linhas algumas vezes... Tive calma até o trazer perto do barco e apesar da falta da corrida tradicional que os predadores dão como é o caso da corvinas, ainda esperei que fosse alguma com menos "pica" e tive cuidado. Charroco não me parecei, só se fosse algum charroco mutante. Quando finalmente o peixe sobe e o consigo ver, já o Palma estava de chalavar na mão, eis que se tratava de um grande exemplar de safio... Fiquei fulo. Lá refilei para o ar, o Palma ria, e eu era só asneiradas, e só pedia para ele se soltar, e eis que por entre um desses pedidos, já ele estava muito perto e a chumbada fora de água, o gajo solta-se e lá foi à vida dele. Fiquei tão danado que nem me apetecia lançar mais, mas tinha ainda uma hora e tal, e,olhem lá continuámos...
Canas lançadas, votos renovados, mas eu estava mesmo sem pica, o corpo dizia-me " estás a abusar" e pousei a cana no barco, não a prendendo no tubo próprio. Deitei-me com novamente e o Palma fez o mesmo na bóia lateral. Fechei os olhos e aproveitei aquela aragem e a moleza fez-me passar pelas brasas. Abri os braços e estiquei-me todo, ficando o braço direito por cima da cana.
Devia estar a sonhar com alguma coisa boa, pois estava a saber muito bem, quando do nada sinto duas mocadas no ombro... PUM PUM! Quem seria? Levantei-me alarmado, ainda longe de saber o que me esperava! A fé era tão pouca, talvez fruto do cansaço que sentia, pois até costumo ser mais crente do que o Palma, que pensei logo num charroco mutante, ou algum safio com upgrade sei lá. Tudo menos o que era... Longe de imaginar que iria ter os melhores 20 minutos de pesca que tinha tido este ano até aquele momento. Agarro na cana, e sinto os toques, normais até, quando dou aquele safanão para trás e de repente solto o fúria do predador!
Por entre um arranque avassalador, os meus braços ficaram em pedra, agarrando a cana que tentava aguentar a corrida desenfreada do predador. O drag esse, ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, disparou loucamente, a linha dava a volta ao barco a uma velocidade louca, e eu tentava perceber o que o peixe me transmitia. Ora para a esquerda, ora para a direita, a Corvina( naquele momento não tinha qualquer dúvida disso), levava-me ao limite, ao êxtase.A minha velhinha XTRA-BOAT da Prosagus, tornava a sentir aquilo que tanto sentiu já fazia muitos anos, no tempo em que vinha ao mar com outro grande amigo de quem tenho muitas saudades, do João( se algum dia vires o nosso blog, por favor contacta-me. Espero que estejas bem amigo).
Por entre aquelas arrancadas, fui, digo-vos curtindo muito, mesmo muito. Aquele momento, vale por um ano, vale por dois, vale por tudo. Passamos anos à espera de sentir algo assim na cana, e nem sempre aparece. Nem sempre temos lutas tão boas. Se o trazia ou não já era um pormenor que embora me importasse, já em nada me tirava aquela sensação. Tinha sentido um peixe de grande porte, e logo naquela cana tão macia, e quando não estamos à espera as coisa parece que sabem melhor...
Eu subia ás bóias do barco, ia pedindo ao Palma que desviasse canas, que me deixasse passar, e o peixe ia lutando pela vida, e eu, ia lutando para o tirar... Momento fantástico!
Quero ressalvar um aspecto. Pescar às corvinas no barco tem prós e contras. Mesmo eu considerando que tem mais prós do que contras, tem um aspecto a meu ver mais complicado. Não temos os pés no chão, não temos o centro de gravidade controlado. O barco abana, e ainda por cima somos obrigados a nos deslocarmos num curto espaço( ainda por cima o barco é pequeno). Não se pode ter tudo!
Já o peixe estava perto e eu desejoso de o ver, peço ao Palma que se preparasse para o momento final.
As águas estavam tão tapadas que não se via patavina. Nada. A chumbada já ao de cima de água e ela( por acaso veio a verificar-se ser um ele), puxava pelo estralho para o mais longe do barco possível, e ia dando os últimos arranques. Eu ia dizendo ao Palma que não ia esforçar em nada o peixe, e que seria ele a decidir o fim da luta. Mais uns minutos de sucessivos arranques e lá a vimos a vir ao de cima pela 1ª vez e vimos logo ser um grande peixe. Resolvi mesmo não a esforçar. Queria mesmo tirá-la. Tinha 2 situações atravessadas dentro de mim. Cicatrizes da vida. Uma delas tinha que ser resolvida ali, naquele momento.
Já passados uns 20 minutos pelo menos, não sei bem, eis que ele sucumbe e vem ao de cima, virando a barriga de lado. O Palma, bem, põe-o rapidamente dentro do barco, e eis que estava feito. Estava cá fora uma linda corvina. Os olhos do Palma brilhavam, os meus também, mas uma profunda tristeza que não quis que o Palma se apercebesse tomou conta de mim. Sabia bem o significado daquele momento.
Voltemos à pesca...
Faltavam minutos para ter que me ir embora, mas depois daquele peixe, tínhamos que lançar mais uma vez... Iscadas generosas, como manda a regra, e pimba lá para dentro.
Em segundo, tornámos a ter mais 2 toques, e a do Palma ferrou. Estava lá,dizia-me ele, e mesmo não sendo do mesmo porte, nem sequer uma burra, era já uma captura interessante. Em dois minutos o Palma trouxe-a até perto do barco onde eu ainda encarreguei-me de o ajudar, e em vez de a pôr dentro do chalavar à primeira, dei-lhe foi duas mocadas na cabeça, lololol( agora posso me rir, ela não fugiu eh eh eh) e após isso, lá a pus a seco.
Felizmente fizemos o gosto ao dedo, e ambos viemos realizados da pesca. Já estava muito em cima da hora e tinha que me despachar. Por entre o caminho de volta foi tempo de falar comigo, de pensar em algo que o ano passado tentei tanto e que não consegui resolver.
Não tenho por isso mais para vos contar sobre esta pescaria, apenas dizer que chegámos bem.
Existe no entanto um sentimento especial neste relato, e nem sei bem porque o partilho, ele não o pode ler...
Esta corvina é dedicada ao senhor Juvêncio Pires.
Faz por esta altura pouco mais de ano e meio que na família ficámos alarmados com queixas que o senhor Juvêncio Pires foi apresentando e após muitas tentativas lá o levámos para o Hospital.
De lá já não saiu. Quando o ia visitar, com muita esperança de o ver bem, brincava com ele, e quando ele pedia para ir para casa, pois não gostava de lá estar embora mal se aguentasse em pé, respondia-lhe que só quando conseguisse realizar três tarefas que eu tinha estipulado eu o deixava sair...Tinha que correr 2 voltas à roda do hospital, tinha que me arranjar o número das enfermeiras mais jeitosas, boazonas mesmo lol, e tinha que comer o covinão enorme que eu lhe ia levar, cozidinho pela minha mãe. Eu abria os braços e dizia que ia apanhar uma assimmmmm:
Ele fraco, sorria com aqueles sorrisos de gozo, uma cara que ele fazia, de quem acha que o estás a enganar, e dizia que "alguma vez vais apanhar isso", e eu dizia-lhe que sim que ia e que ele ainda ia ficar surpreendido comigo.
Os dias eram curtos por essa altura, embora estivéssemos no Verão, lembro-me de ser Hospital, Hospital e pouco mais. Algumas noites ia tentar capturá-la, quando sentia vontade ou quando a mente o pedia, e foi nesse mês, que juntamente com o meu tio e com o Filipe João que perdemos duas corvinas que seriam os nossos record´s e provavelmente os record´s de uma vida e a oportunidade de cumprir com a minha promessa.
Após 2 AVC´S ele já não me dizia que eu não ia apanhar a Corvina, apenas sorria, e eu continuava a pedir-lhe que lutasse, e continuei em busca de algo que nunca mais me foi a cana.
No último dia, uma conversa com uma médica fez-me perceber o que estava para vir. Nesse dia percebi que não iria cumprir com a minha palavra. Nesse dia percebi que nem sempre podemos cumprir com as nossas promessas. Por tudo isso, a cicatriz ficou e fica para sempre.Mas hoje posso dormir melhor pois finalmente consigo "entregar" o que prometi.
Esta é para ti. Continuo a fazer o que mais amo, como aprendi contigo e com os tios lá na Culatra em menino.
32 comentários:
Olá Filipe e Palma,
Grande relato o vosso,até me espumei todo de ver essas burras :).
Os 2 estão de Parabéns pela persistência, vocês mereceram.
Abração aos 2 corvineiros :)
Urubas
Sei bem o que é esse cansaço, eu pesco sempre de madrugada até á hora de almoço pois de tarde tenho que estar coma família, eles não têm culpa de eu pescar e não vão ficar o fim-de-semana em casa para eu ir pescar todos os Sábados e Domingos, no Domingo com o nascer do sol dá sempre uma moleza, principalmente naqueles dias de grade... mas um bicho desses vale por tudo, cá pelo norte não há disso, é pena :(
Boas pescas
Bom dia Filipe,
Um grande relato Filipe como já nos habituas-te, mas este com um sabor diferente. Fico feliz por teres conseguido cumprir com o teu "sonho/desejo" que tanto almejavas. Ainda no outro dia falávamos, e olha é com enorme alegria que lei-o este relato!! Que grande homenagem. Parabéns!!
Abraço
Grande relato...ate me veio as lagrimas aos olhos... grande pesca!
Amigo Parabéns pelos peixes, grandes bichos e pelo relato grande emoção.Parabéns tambem pela Homenagem que faz a seu Avô. A descrição que faz desta pescaria deixa-nos alegres e comovidos ao mesmo tempo, por isso quero Agradecer esta partilha. Grande Abraço
Jaime Almeida
Boas Filipe,
é sempre quando menos se espera ;) hehehe é que é mesmo ...
Bom relato de uma boa aventura.
O teu avô vai gostar, a vida é um ciclo, poede ser que ele te esteja a ver ;)
Nunca se sabe...
Grd abr
Ò Filipe tu és um espéctaculo
um abração
Olá Rui, epa, tivemos sorte, mas faz parte... Abraço.
Olá Rui, epa, tivemos sorte, mas faz parte... Abraço.
Olá João o cansaço produziu efeitos pós pesca, abusei e sofri nos dias seguintes, cheguei a ter quebras de tensão. Mas é este amor pela pesca que nos faz estar horas nisto.
Abraço.
Olá Miguel, o peixe a mim, diz-me mais por ser algo que procurava por aqueles motivos. Mais virão, espera que tu também tenhas essa sorte.
Pedro pa, todos nós durante a vida temos momentos. Eu tinhas esta atravessada e tinha que ser uma grande corvina. Estou mais leve agora.
Olá Jaime, obrigado pelo comentário. Foi feito com muito carinho.
Olá Matos, realmente não esperava, mas ainda bem que tive essa sorte...
Foi um bom momento. Abraço.
Como é Sérgio, tudo bem? Obrigado pelas palavras e um grande abraço.
Boa tarde pescas, parabéns por este relato, é simplesmente deslumbrante. Faltam mais assim neste meio, e mais gente assim também.
Sigo o vosso blogue regularmente acho deslumbrante. Obrigado pelos momentos que proporcionam a quem vos acompanha. Saúde, Manel.
Olá Palhaço andas feito pescador de big game é? Vê lá se me dás é uma corvina de preferência já arranjada, lol.
Eu pago o vinho vá, para não perderes tudo, lololol.
Abraço e parabéns Filipe, como te conheço sei bem como ligas a estes momentos. Obrigado pela partilha.
David.
Estive para fazer este comentário mais tarde, pois as lágrimas ainda me caem pelo rosto, mas acho que quem o escreveu também as merece porque são sentidas.
Soube desta pesca antes do relato e vi a foto dos peixes pouco depois de serem pescados. São exemplares lindíssimos, peixes de uma vida. São troféus que poucos terão nos seus braços... Por tudo isso, quer tu quer o Palma foram uns grandes senhores!
Contudo, apesar da qualidade das capturas, o que mais me comoveu neste post, foi a dedicatória ao teu Avô. Talvez porque eu só tenha conhecido um dos meus dois Avôs, que morreu quando eu tinha apenas 4 anos mas que deixou muita saudade... Talvez porque actualmente tenha apenas a minha Avó Materna (com quase 90 anos)que me criou e é uma das pessoas que hei-de amar para sempre... Talvez porque me revejo nesse sentimento de gratidão e dedicatória a um ente querido num momento de extrema felicidade... Não sei bem!
O que te garanto com uma convicçao profunda, é que o Sr. Juvêncio Pires, onde quer que esteja, tal como eu, sorriu e chorou de alegria por ti! ;)
És muito grande Filipe!
Abraço sentido!
Obrigado Manel a nossa intenção é mesmo essa, passar uma mensagem positiva, sobre o relato este para mim foi especial. Abraço e obrigado por nos seguir.
Olá David, vê se tens é juízo maluco.
Sobre a corvina, epa quando apanhar outra a ver se te ligo. Mais importante do que isso, como estás? Um grande abraço.
Olá Zé Pedro, ainda bem que gostas-te.
E ainda bem que também tens esses sentimentos pelos teus avós.
Fico muito feliz, do peixe já sabias, e portanto nada a dizer, temos apanhado algumas interessantes.
E temos acima de tudo feito o que tanto gostamos, estar perto do mar.
Obrigado por tudo, abraço.
Hola Felipe, menuda pieza más hermosa que has pillado, como bien dices es el pez que toda la vida estamos esperando, así que enhorabuena por haberlo conseguido.
Un saludo
Fiquei sem palavras, tens algo, que já vem dos tempos de escola, eras diferente da maioria.
Algo que espero que mantenhas amigo pelos anos fora. Já vão muitos anos a ser teu amigo sem me falhares. Obrigado por estes relatos. Nem sou fã da pesca, só fui meia dúzia de vezes contigo, mas não dá para ficar indiferente. Abraço. Rui.
Estou bem, agora ando com mais tempo, vê se marcas um jantar, de preferência pago por ti ;).
Grande abraço amigo e força, és grande. David.
Grande Filipe.
Gostei bastante do relato malandro, tenho a certeza que alguém lá em
cima deve estar muito orgulhoso.
Eu nem tanto...eu é mais inveja!!!Lolol
Obrigado pelo relato. Saúde para a família OSPESCAS, continuem que a malta agradece!
Grande abraço para ti e para o gradeiro do Palma
Olá Chopito, muchas gracias, sigo buscando más records y momentos como este. Saludos campeon.
Olá Rui, muito obrigado pelo comentário, um grande abraço, espero que estejas a dar com eles também.
Olá Filipe.
Finalmente reencontro-te por outras paragens.
Fico muito feliz de ler e ver esse belo troféu!
Grande Abraço.
(Dani_PES)
Olá Dani, espero que estejas bem e que continues a dar nelas como fazias.
Agradeço as tuas palavras, agora já sabes onde me encontrar. Um grande abraço e obrigado.
Tá bem David, para a semana ligo para combinarmos uma jantarada ou uma pesca, ou as duas coisas ;).
Até onde no tejo se podem pescar cortinas ? Já agora qual o melhor isco a usar ?
João coelho
Podem se apanhar de cacilhas até vila franca, zonas boas são a expo, poço de bispo, barreiro.
Isco choco, caranguejo de 2 cascos. Depois com amostras é bom e funciona quase sempre.
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