Foi nela que ele fez os seus últimos lançamentos...
Hoje praia reconhecida por quem manda e desmanda neste país, foi na Ponta do Mato, para alguns Ponta dos Corvos que esta história começou... E foram por estas águas que esta história, não diria que termina... Mas que me deixa...
Por mais de um ano quis muitos dias escrever palavras que não me saíam de dentro. Não faz sentido para mim escrever sem inspiração, muito menos quando se trata de uma homenagem que tenho que fazer...
O calor e a época das corvinas faz-me pensar que este é o momento de virar uma página, uma página que me fez sofrer muitos dias cada vez que carregava no Play e via o vídeo... O tal em que a voz do eddie vedder me fazia estremecer a cada repeat que fazia no meu PC.
Não vivemos esta vida com certezas, quem julga que as tem engana-se a cada esquina que passa... A roleta russa em que participamos, denominada de vida, vai escolhendo, julgo que ao acaso para quem o jogo irá terminar. E por vezes calha a quem tanto gostamos. Nessas alturas questionamos tudo, os porquês... A revolta...
Voltemos a 2011...
Esta azáfama que hoje se vê no Tejo num corropio desenfreado começou para mim à 3 anos atrás... Após muitos anos de paragem, desde os meus 20 anos altura em que fazia saídas semanais a elas...
Após um ano de 2010 em que apanhei algumas boas corvinas e perdi provavelmente a corvina da minha vida( julgava eu na altura), regressei em força em 2011, na companhia de um amigo.
Foi no Início do Verão de 2011 que praticamente todas as noites pude pescar a elas na companhia do Telmo...
A memória diz-me que durante 2 meses e meio praticamente dormimos a sonhar com elas... Uma noite ele ia apanhar uns chocos, e na noite seguinte simplesmente me ia buscar a porta de casa por volta das 5/6 horas...E lá íamos nós a caminho da Ponta do Mato...
Quando chegávamos estavam sempre pessoas na praia... E como sempre eu ia apanhar uns caranguejos de 2 cascos, e ele ficava a montar as canas e a guardar o local... Aquele spot especial para nós...
Lembro-me de andar com lama nos joelhos para procurar as fêmeas que estavam debaixo dos grandes caranguejos numas telhas por lá perdidas...
Quando voltava estava sempre tudo tratado, menos os estralhos, lol, que ele sabia que eu era perfeccionista e queria ser eu a dar os meus nós lá à minha maneira... Com tudo montado e enquanto esperávamos pela hora, lá se ia beber um café ao bar, um não, vários...
Quando a maré marcava a 4 hora da enchente costumávamos lançar a primeira pedrada... E aqui já só ia um de cada vez beber café, ficando sempre o outro de roda de 4 canas... O medo de elas "voarem" era tanto... Bem... Vocês sabem como é... E nós escaldados com canas que já tinhamos visto voarem, com linhas partidas, com muitas desferradas, não deixávamos as nossas canas sozinhas...
Os dias por esta altura eram longos, mas tão saborosos... Lembro-me bem da altura da festa do Seixal passar, depois a da Arrentela... Vinha a da Amora, já a dar as últimas a de Corroios e era ao som da mítica Festa do Avante que praticamente parávamos esta busca muitas noites louca por o maior peixe que o pescador lúdico pode apanhar aqui pela zona... O fim de Setembro normalmente dava os últimos cartuchos na busca destes grandes peixes...
Lembro-me de conversarmos muito. Lembro-me de contarmos tantas histórias, de cada um falar das suas grandes pescarias, das suas maiores capturas, das suas loucuras, das miúdas, da vida, enfim... Aquelas noites quentes, sem uma simples brisa, eram fenomenais, sentados numa cadeira a olhar para a baía à espera, que o drag disparasse... Ouvir aquele ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, prendia-nos, e muitas noites em claro tivemos. Noites que recordo com saudade.
Julgo que a busca delas se tornou tão intensa que não me querendo enganar éramos sempre os primeiros a chegar, muitos dias com o receio de não apanhar lugar... E quase sempre éramos os últimos a desistir...
Para terem noção poucos pescavam com vinil ou amostra nesta altura, e foi há tão pouco tempo...
A evolução desta pesca tem sido meteórica... E ainda bem, sei que muitos nos entendem e sabem que aquele momento de luta é único para um mortal pescador...
Os meses foram passando e o tempo das corvinas estava a fraquejar, e embora quase todos os dias algum apanhasse uma ou outra corvina, nem sempre eram as grandes que procurávamos.
O Telmo na altura, tinha um código de honra comigo. O que se passava ali e capturava ali, ficava entre nós. E eu mesmo querendo partilhar, respeitei sempre. Nunca essas pescarias foram ou vão ser conhecidas... São recordações nossas. Mas ele apanhou uma das grandonas bem perto do fim...
Num desses dias enquanto estávamos a pescar, numa noite em que o Telmo apanhou a tal grande corvina, ele conheceu alguém especial para ele... Foi ali que eu o vi sorrir como um puto, e foi ali que quase diariamente ele me deixava a tomar conta das canas enquanto ia namoriscar a corvina dele... E eu chegava a ficar a rir sozinho sabendo que as canas bem podiam saltar que ele naquela altura nem ligava... lol, bem ao menos foi-me sempre buscar, lol, nunca tive que voltar a pé...
O Setembro chegou e com ele as corvinas foram fraquejando, e ele andava noutra onda, e começámos a deixá-las mais em paz...
O fim desta pesca coincidiu com um momento que me recordo como se fosse hoje...
Um dia, ao encontrá-lo ao pé de casa, soube que ele estava doente... Mas sinceramente nem liguei... Ou pelo menos não queria aceitar que um " animal" daqueles alguma vez ia sucumbir fosse ao que fosse. Não sei se foi negação, não sei se foi falta de compreensão no momento... Talvez não lhe tenha dado atenção, devo ter relativizado, não por mal, mas por pura ignorância do momento.
Não vou por isso dar pormenores do que se passou, até porque muitos de vós o sabem, mas não me esqueço do impacto que teve para mim visitá-lo ao final de um mês e tal no hospital...Naquele dia com o Luís Malabar ao meu lado... O choque foi tremendo, a dor tomou conta de mim. Custa muito ver quem gostas a passar mal e tu nada poderes fazer...
Ele chamou os amigos, hoje mais a frio não sei se sabia, ou se ainda mantinha a fé, mas sei que ele gostava de nos ver, de estar connosco. Sentia sempre isso... E pensava nele quase todas as noites, sabendo bem que outro Verão igual não ia ter... O frio de Inverno veio já com ele muito debilitado e no início de 2012 fomos uma noite chamados ao IPO para nos despedirmos...
Nesse dia ele noutro corredor, e quando entrei ele estava de olhos fechados, a força já não existia... Ele dizia para não nos aproximarmos como se tivesse medo de nos pegar algo e pouco mais dizia. Já não conseguia falar muito... A preocupação dele era estarmos todos bem.
Mas a equipa médica deu ordem aos amigos de chegarem perto e estarem com ele... Ele estava muito ensonado, talvez fruto da morfina, e fui dizer-lhe um olá, e quando cheguei perto dele, agarrei-lhe na mão.... ele abriu um pouquinho os olhos e viu quem eu era... Apertou-me a mão, Sorriu, e baixinho com a voz muito trémula disse apenas: " CORVINEIRO"... E não mais ouvi o Telmo... Demorei muito a querer ou poder dizer isto, mas existem coisas nos marcam na vida, e ele marcou-me no tempo em que pude privar junto dele.
Tivemos que sair do quarto... Dois dias depois ele faleceu.
Por isso sempre que dou pelo início do Verão, sempre que o calor aperta e as noites ficam mais quentes sinto um vazio enorme, uma nostalgia incrível e ao mesmo tempo terrível.
Julgo que apenas uma pessoa sabia qual tinha sido a última palavra dele para mim. E julgo que hoje é tempo de virar uma página. Não por nada em especial, cada ser humano tem o seu tempo, cada um lá terá o seu momento, eu sinto que isto me persegue há muito tempo e que preciso de partilhar momentos que vivi junto de um grande amigo e um grande pescador. Um pescador de TOP.
Por isso,
Hoje em vez de escrever mais um relato, para vos mostrar mais umas corvinas, deixo estas acabadinhas de apanhar, dedicadas a um grande amigo, a alguém que me acompanhou em dezenas de pescarias a elas. Hoje, porque não fosse a vida e estaríamos certamente sentados lá ao lado do bar com a cana à espera delas a aproveitar estas noites magníficas... Fica um olá, uma pequena homenagem a um grande pescador...
Um relato para mais duas corvinas não teria a importância que para mim tem poder lhe dedicar uma pescaria.
Hoje te respondo finalmente: De um corvineiro para outro corvineiro... Sinto a tua falta... Este peixe criou laços entre nós... Lembrarei todos os anos nesta altura o teu sorriso... E continuarei a tentar ser um fiel corvineiro sempre que puder... Uma coisa te garanto, lembro-me sempre, mas sempre de ti, cada vez que entro no Scookie ou cada vez que vou à ponta do mato, e logo tu sacana que não gostavas nada de partilhar estes momentos... Sabes, a mim sabe-me bem, sinto-me melhor.
Um abraço amigo, recordar é sem dúvida viver...
A perca de um amigo não se supera, vive-se e sofre-se, mas a a vida segue, friamente, segue... Hoje choramos, amanhã rimos, seguir em frente faz parte do ser Humano, e em parte felizmente que temos seguido a nossa vida, e temos tentado todos andar para a frente...
Uns dias mais tristes, outros mais equilibrados, provavelmente outros nem nos lembramos, o tempo não sara todas as feridas, mas quase...
É por isso que hoje em nome de todos te recordamos com saudade e sempre com a certeza de que continuamos a fazer o que tantas vezes ao teu lado fizemos, em momentos únicos que ficam para sempre dentro de nós.
( Para quem quiser tornar a visualisar o vídeo e recordar...)
Saudade é a palavra que hoje encontramos para descrever esta falta de ano e meio...
One day will be together again ... But not yet, not yet...
Estas são para ti Matulão
Estas são para ti Matulão
11 comentários:
Grande amigo, e grande companheiro de pesca no meu caso era embarcada e spining.
Um grande abraço Telmo,saudades.
Muito bom Filipe parabens.
Palma
Que grande post Filipe. Muitos parabéns por a partilha. É realmente impressionante A força da amizade e mesmo de fora entendo muito bem a força do vosso grupo e a vossa ligação.
Que o vosso grupo continue a pescar por muitos anos e que deem a quem vos visita momentos como estes.
Um grande abraço do teu amigo David.
Gostei muito desta tua partilha.
Que continue a descansar em paz, este nosso Grande Amigo Telmo, até já.
Grande Abraço, Filipe
Nuno Fernandes
Grande post Filipe, força ai, grande abraço.
Grande sinal de respeito !! Ele vai enviar-te uma corvina gigante companheiro !!
Que texto fantástico Filipe!!
Esteja lá onde estiver, vai ficar muito satisfeito em saber o que sentias por ele.
Seja relatos de pesca, seja em relatos de outra natureza, a tua maneira de escrever e de saber transmitir certos e determinados sentimentos e situações, faz-nos entrar na tua história, como se fizéssemos parte dela!
É como se te conhece-mos, desde à muito tempo.
Obrigado por existires!!
Um abraço grande
Estará sempre na nossa memória como um de nós, até já amigo Telmo.
Os Pescas
Boas Filipe,
Apreciei o seu comentário, muito bem elaborado como de costume! Por outro lado a sua descrição fez-me reviver a papel quimico, morte de um grande amigo! è muito dificil deixarmos partir um grande amigo e nada podermos fazer por ele!
Abraço
Para mim ainda se torna difícil de imaginar que nunca mais te vou ver amigo, mas sei que tu sabes o quanto foste e sempre serás importante para mim meu grande amigo Telmo. Sem nenhuma sombra de duvida, um pescador de topo.
Grande post Filipe, apesar de ainda ser muito difícil para mim, sequer pensar nisso.
Um grande abraço
Luís Malabar
Ainda com as lágrimas nos olhos, apenas posso agradecer este post! Trata-se de algo muito mais importante do que a Pesca!
Deixo a minha admiração pelo vosso grupo de Amigos e o meu respeito.
Um grande, grande abraço!
Só mesmo a morte não tem solução...
Obrigado a todos pelos comentários.
Mesmo.
A falta do Telmo é imensa, como pessoa, sinto muito a ausência dele. Como pescador deu-me bastante.
Ao grupo, aos pescas, amigos e leitores nossos, devemos estar unidos, em prol do que amamos, e sempre a cuidar dos nossos, sejam família, ou amigos. A pesca une-nos, e devemos todos remar para o mesmo lado.
A saudade essa fica eterna.
Filipe.
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