Os nossos amigos

terça-feira, 30 de maio de 2017

( BÓIA) DIAS TOP DE SARGOS... OU A VIDA NUM ENCHIO!!!

Boas.

Fazer este relato, obriga me a pensar muito no que foram estes 3 dias de pesca que tive seguidos e que apenas vou fazer o relato deste. Até porque de outro não sobrou nada para mostrar...

A linha que separa a inconsciência da estupidez é por vezes muito próxima... Sei que por vezes se pensa que se trata de estupidez, de arriscar em demasia... Mas na realidade tu quando não sentes que TU estás em perigo sentes confiança para estar a pesca num pontão ou numa praia mesmo que o mar seja enorme, não tanto por ele estar grande, mas porque a amplitude ser acima de 4 metros mais algum enchio e a forma por onde essa ondulação passa... Observas escolhes o sitio, julgas te a salvo... Mas acontecem coisas imprevisíveis... Respeito o mar, mesmo. Não sou louco, mas tenho consciência de que por vezes um simples set, mesmo em dias mais ou menos calmos pode deitar tudo a perder. Deve ser assim que por vezes se perdem vidas... Deve ter sido assim que muitos foram com o mar...
Não se julgue que morrem sempre pessoas no mar por inconsciência, isso é de quem não conhece o mar, nem entende nada do assunto. Muitas vezes são momentos uns provocados e avisados pelo mar, outros nem tanto. No meio dessa linha, existe a mesma palavra de sempre a que talvez adjective melhor todo esse processo: Facilitismo.

Sou um tipo cuidadoso, leio bem o mar, tenho essa convicção, até sou dos que estou sempre a avisar os outros do mar, dos enchios, estou sempre a prever o que vai acontecer. Sinceramente acho mesmo que percebo da coisa. Por isso arranjar explicações agora a frio é mais simples, mas a quente não foi...

Por onde começo? É que relato com fotos e tal será só deste 1 dia desculpem mas será assim, os outros dois apenas quero deixar a mensagem do que se passou... Uma espécie de diário.

...

Bem, vou começar o relato tipo a Pulp Fiction, ou seja ao contrário... Ou melhor Sargos Fiction, ou até aceito a versão Facilititation fiction. 

Tenho feito umas pescas boas, a malta tem perguntado mas entendam que não tenho vida para estar sempre a fazer relatos, falta me o tempo e por vezes a vontade. Faço-o sempre com gosto, com amor, mas nem sempre dá...

O Guilherme estava de férias e queria ir fazer uma pescaria, disse lhe para irmos fazer uma bóia, gosto muito, e apanha se ar e sol. Mas vamos começar por onde tudo terminou!

...

Dia 3: Levantei me cedo para ir apanhar caranguejos... Tudo normal, tinha perdido tudo no dia anterior, andei a tentar ver em casa se tinha material para pescar, pois perdi tudo o que tinha da tralha de pesca a boia. Lá arranjei umas linhas, uuns anzois e desta levei uma mochila da rapala do spinning impermeável as costas... Calção de banho, e siga para bingo.

Cheguei lá, tudo tranquilo o mar lá fora batido mas maré ainda a meio, deixou pescar um pouco... fiz 2 sargos, um dentolas e outro de 500 gramas... A maré ganhou força e cresceu, o pontão vazou, ficámos lá três. A amplitude cresceu de tal maneira com a maré a subir que as ondas que passavam pareciam arranha céus... Varreu tudo muitas vezes, mas estava preparado ( pelo menos em teoria), e tirando uns banhos não senti receio... A água até estava boa e tal... sabia bem levar com ela de vez em quando... Pescar é que está quieto, a boia era varrida em segundos... Mas a carolice mantém te lá...

Passámos duas horas a levar banhos, eram tantos que parecia que estava de férias no Algarve a apanhar sol e a ir dar uns mergulhos... Isto e só tirei mais dois sargos.


Mar espumado e lindo como se pede... Bem, tirando o resto lol...



Bem, o Manel, lá escorregou, caiu e partiu a cana... Para ele a pesca terminou...

Ficámos dois... Eu e o Francisco Roxo.
.

A maré lá chegou a reponta... E o mar parece que acalma né...

Vejo um casal a vir ao largo e só pensava o que é que eles estão a fazer... Gritei, mas nem me ligaram, ele de máquina fotográfica, ela toda feliz de estar ali... Eu vejo de repente um set enorme que ia varrer o meio do pontão, as pessoas nem olham, é inacreditável a forma como ignoram ( nisto é mesmo por não saberem como quem pesca sabe o perigo de um set, e não saberem ler o mar) e põem a vida em risco... Eu gritei, o meu amigo gritou, eles estavam longe, e o set veio, a miuda foi de rojo, e por milagre não caiu ao outro lado, ficou no limite, por 10 cm. varrida no chão, corri, gritei mais alto para sairem já dali, ele perdeu a máquina fotográfica. Vinha novo set, correram para trás, cairam de novo, mas com menos perigo, e lá se salvaram...

Voltei para o fim do pontão onde o mar bate, molha te, mas aparenta ter menos perigo, a meio é para ires " à vida"...

Bem, a maré começou a vazar e a actividade era pouca... Chegou o Miguel e o Pedro Lourenço... Eu vejo um set, e assim que eles chegam eu grito para eles:

- " Vai varrer, vai varrer..." e eles não se acreditaram e assim que chegam mar levanta, tudo varre, e lá se foram as arcas dos dois... Umas delas partiu, mas ficou encalhada e por sorte o Miguel desceu e lá safou a arca partida, mas com os caranguejos lá dentro... A outra lá foi a boiar pelo mar fora...

A malta começou a chegar e os sets eram terríveis a meio do pontão eram só filmes, muitas pessoas sem experiência, e lá vem outro dos grandes... Tudo varrido, tudo a boiar, várias malas para a água... Pessoas no chão caídas... Um filme... Eu sentia peixe, mas tirando dois que devolvi ferragens era 0. Um desastre, a minha performance, tinha a cabeça cheia, mas estava a limpar... Precisei de enfrentar o " TOURO PELOS CORNOS" Depois de tudo o que se passou eu tinha que lá estar,, tinha que o ver senti-lo, falar com ele, e olhem que falei bastante sozinho para com ele...

Mais um set, e mais um tipo que a meio perde a mala...Eu estava tranquilo tinha a mochila as costas, e só levei uns banhos, nada mais...

A maré já levava uma hora e meia de vazante e eu estava a aproximar me da hora de me ir embora... Tinha compromissos e era mais meia horita...

A malta pouco ou nada tirava e já éramos uns 10 por lá... e começo a sentir peixe, mudo de spot, e epa, sinto dois seguidos que se foram, já ferrados... um era um monstro... andei com ele uns 2 minutos e ele nem me deixava levantar do fundo...  Ganharam a batalha... Mas o peixe estava ali e fui mudar de anzol, aumentei e comecei a perceber bem onde eles estavam a comer e era mel...

Cada lançamento, cada peixe ferrado ZZZZZZZZZZZZZZZZZ, alguns a dispararem drag e de seguida tirei uns 10 sargalhões, muito bom. Tudo negros, dentolas, pareciam fumadores de anos, lololol... O Miguel ainda ferrou uns 3, o Lourenço só um, andava perdido ali sem saber bem o que fazer não sei porquê... Tentei ajudá-lo para ele perceber onde estava o peixe e de que forma devia fazer...

Resolvi ficar mais meia hora e o peixe estava a bruta, eram arrancadas fortes, um gozo, um prazer inolvidável, nem sei descrever, simplesmente amo pescar a boia aos sargos. Aquilo dá uma tesão do caraças pessoal, e sentir os dentolas é TOP.

Ferragem atrás de ferragem, perdi mais uns quantos e tirei mais uma meia dúzia antes de bazar. Estava lá peixe, mas já tinha a saca composta com 16 sargos bons e resolvi dizer adeus a malta e lá fui a minha vida já atrasado para um jantar que tinha com um casal amigo. Julgo que somos todos iguais, a pesca, o peixe a adrenalina e um gajo sabe que está na hora, mas é sempre só mais um, só mais um...

Então e como me senti? Bem como expliquei a quase todos que vieram falar comigo sobre o sucedido no dia anterior, estava zangado, um pouco transtornado, mas estava bem. Senti me a cada hora a aceitar melhor tudo o que se passou. Em 32 anos de pesca nunca tinha perdido nada, nunca tinha sentido perigo, e já passei por muitas coisas, quer apeada quer embarcada, mas sempre me senti seguro de mim... Digamos que foi complicado, mas resolvi com o " TOURO" o que tinha pendente... É assim que sou...

...

Lembro me de quando jogava a bola com a minha equipa, já vão uns anos de sentir me sempre assim. Passo a explicar: Tinhamos uma boa equipa de futsal que entrou em torneios, ganhámos coisas, também tinhamos hora marcada semanal para jogar contra umas equipas e tal... Felizmente ganhávamos muito mais do que perdíamos, mas também perdemos alguns jogos ao longo dos anos e eu adorava jogar a bola, adorava mesmo fazia tudo para evoluir e ser melhor enquanto grupo, como equipa sermos melhores e mais fortes, e quando perdia um jogo, ia danado, nem dormia bem, e passava a semana toda a espera, acreditem que era mesmo assim, passava a semana toda a espera do reencontro, de poder derrotar quem a mim me derrotou... Nem sei explicar, está em mim...

O que senti com o mar foi igual, ou parecido. Senti que tinha que ir lá senão ia passar a semana toda a pensar nisso... Agora estou bem, já passou. Sinto me bem, estejam tranquilos, aprendi algumas coisas, estive sempre seguro de mim neste dia, e tranquilo como gosto de ser e estar.

O mar, avisou me. Eu ouvi! Mas somos amigos, e os amigos falam, não viram costas.


DIA 2: Bem ontem tinha sido brutal, maravilhoso, que dia. Só ansiava por outro igual, mas dias não são dias, e o mar nem sempre te dá...

...

O dia terrível, o dia em que tudo, correu ao contrário... E tinha tudo para correr bem... De manhã estava preguiçoso e não fui cedo.

Quando cheguei já tinham acontecido vários filmes... Já um rapaz tinha caído e rachado a cabeça, hospital, etc... um filme... O mar estava muito grande, mais que no dia 3, Cheguei com meia maré e já o mar ameaçava varrer tudo... Fiquei, estava tranquilo, sou assim, o mar sempre me respeitou e eu sempre o respeitei. Não sei explicar, julgo que sei ler bem o mar, julgo... Bem e no dia anterior tinha tudo corrido bem e tal, li bem onde ele rebentava mais, resguardei me no sitio certo, seria só fazer o mesmo, a aguagem até era menor...

A potência do mar era impressionante...





...

A malta foi fugindo com o mar... Eu fiquei, mais um rapaz... O mar foi varrendo as coisas N vezes, fomos tentando recuar até ao ponto onde supostamente o mar não passava entre todo o pontão... e lá escolhemos um spot.

Como pescávamos? Bem, é simples... Ele ficava com com as coisas, e eu ia la a frente lançar, quando recolhia, eu ia as coisas e ia ele lançar... Uma espécie de rodinha bota fora.

Juntámos o arraial, daqui nada sobrou, foi tudo á agura, procurando defender das vagas juntos quando elas vinham...
Minutos antes...


Nisto veio um enchio ele correu, eu literalmente me joguei para cima de tudo ( 2 arcas, 1 mochila e uma mala).  A geleira de esferovite partiu, o resto salvou se, eu fui arrojado uns metros com as coisas, mas foi tranquilo pois foi mais para não perder nada... Imagino que pensem que tranquilo o caraças... Epa malta, em parte foi, o mar era gigante, se passasse daquela forma o pontão claro que teríamos problemas, mas os sets varriam lateralmente o que fazia que de 3/4 para a frente do pontão a coisa fosse mais calma, com perigo claro, mas mais controlado.

A nossa pesca naquelas duas horas finais foi essa... Ia um a frente, o outro baixava e sempre assim... Várias vezes corremos, o mar varreu tudo, chegávamos a ser os dois a segurar em tudo, literalmente jogávamos nos para cima do material e tentávamos aguentar. Numa dessa vezes o set foi mais forte ainda nos arrastou as coisas mas conseguimos recuperar tudo que ficou ali preso nas pedras...

Durante aquele processo no entanto havia peixe, embora fosse quase impossível pescar... Tinha que se esperar que o set passasse e naqueles 10 segundos lançar a bóia e zzzzzzzzzzzzzzz... Fiz ali 9 peixes naquelas duas horas manhosas, e de constante sobressalto. A maré continuava a varrer atrás bem lá no meio do pontão e epa começou a chegar a reponta da maré e a malta chegou aos montes para fazer a viragem... Lá bem na frente o peixe depois da viragem nem era muito e apenas fiz um peixe... Tinha 10 sargos bons, e perco um anzol e ponho me a empatar um anzol quando vejo alguém a gritar:

- " Olha o mar, olha o mar..."... E eu nem tive tempo de raciocínio, sabem que isto são fracções de segundo... Eu olho para trás e vejo o rapaz em cima das nossas coisas, a onda levanta de tal maneira que parecia um prédio... Do nada, já com a cota de água mais baixa, já com hora e pouco de vazante...

...

E quando rebenta eu tenho um apagão, Não me recordo bem de tudo, no meio da confusão geral do correr para trás para ajudar ou ficar quieto e esperar que o mar não me levasse perdi ali uns 2 ou 3 segundos, uma branca... Quando ela explode pelo pontão, vai as coisas, vai o rapaz, e ele tem que largar tudo... Não aguentou o mar e quando olho tenho parte da minha vida a boiar... Confusão instalada, malas na água, as pessoas meio perdidas julgo... E vejo a minha geleira, os peixes, a comida, o panier, todo o meu material de bóia ( que estupidamente levo 30 pacotes de anzois, 4 ou 5 bobines de fio, 4 ou 5 boias piker óculos de sol, sei lá, bonés, protector solar, tanta coisa que estava lá dentro... E a minha bolsa com chaves de casa, carro, documentos todos... Tudo no mar...

Não sei se por milagre ou não, a bolsa dos documentos ficou a boiar perto, o resto afastou se com as correntes fortes e com os sets a virem e a continuarem a varrer tudo. Peço para me agarrarem na cana, vejo o rapaz a correr para trás a zona do inicio do pontão deixa lá tudo... Volta a correr, eu já a despir o vadeador para me jogar ao mar, o raciocínio era 0. Quando digo, 0, é 0 mesmo... Só pensava na bolsa, no meio de tanta coisa perdida só pensava na bolsa... O rapaz chega, atira se primeiro a água vem o mar, ele anda ali e agarra a bolsa, eu desço, seguro a bolsa, torno acima e peço que me segurem a bolsa...

Nisto vem o Pedro de mãos na cabeça... Só depois é que me dou conta que uma das malas em frente era a dele, e ele me diz que as canas ( duas canas com carreto) tinham ido mar fora...e que na mochila estava o resto, entre chaves, documentos... Ele a dizer que não sabia nadar... O rapaz tenta ir buscar a mala... Consegue por milagre agarrar mas não consegue nadar com ela de volta... E eu resolvo descer novamente... Ele na água, eu quando tento agarrar a mochila do Pedro um peso do outro mundo ( a água lá dentro devia fazer esse efeito) Já dentro de água com o vadeador, e água na cintura em cima de uma pedra vejo o set, mais uma parede a vir e ali sim pensei:

- Estou fodido. Perdoem a linguagem, mas acho que entendem... Vejo o set, agarro me a mala do Pedro, e lá vou eu uns metros, felizmente embora contra as pedras, não bati com a cabeça e so me aleijei na mão e fiz um arranhão de nada na cotovelo o vadeador até fez de bóia, encheu e amorteceu a pancada... Vem novo set e baixo me para fazer peso e esperar que passasse... Veio por cima de mim... E o set passou, abri os olhos e pensei:

- Estou vivo. É agora... A mala pesava horrores, eu mal tinha força para a levantar, fiz o máximo que pude subi um pouco e entreguei ao Pedro... Quando me levantei e olhei para aquilo parado a ver as minhas coisas a desaparecerem mar fora... Nova branca... Fiquei completamente fixado naquilo e só me recordo de abanar a cabeça... A água entrou vadeador dentro, felizmente não foi fatal, um gajo não pensa... De inicio quando me ia despir para ir ao mar lembro me que pensei nisso, mas depois quando foi para ir ajudar a safar a mala do Pedro já não tinha raciocínio possível... Lixei mais umas coisas que tinha comigo no casaco e de valor e que se molharam, e enfim... Agarrei no que me sobrou, agradeci a quem ajudou, e os 3 fomos pontão fora, a pensar na vida. Vida que podia ter ido num enchio. Naquele momento somos todos humanos, não há lugar para mais nada. . Do nada. Simplesmente do nada, do tamanho de um prédio... Foram " apenas bens materiais" que custam a ganhar, algumas coisas de valor, mas estava bem. No meio de tudo estava bem.

Entrei no carro direito a casa e fui a pensar na vida, na família, em tudo. Pensei naquele caminho até minha casa, em muitas coisas queridas que tenho... E que podia ter perdido... E a tal fúria estava dentro de mim... E ainda estava a caminho e disse para mim...

- " Amanhã tens me de volta mar"... Senão passo semanas até ir de novo a pensar nisto. Assim que cheguei a casa parecia um pinto molhado e ouvi da mulher, tentei secar o máximo de documentos que pude... Fui a arrecadação ver o material que ainda tinha para a bóia, e pûs me a empatar anzóis enquanto a Rita se zangava comigo por ir de novo depois de tudo...

Olhei para ela, dei lhe um beijo e disse lhe:

- Não digas nada. Confia em mim, não vai acontecer nada, eu preciso de lá voltar, e vou preparado desta vez..."
Ela não gostou, mas aceitou e pediu me cuidado...

Dormi mal, muito mal... A espera da hora de acordar para ir apanhar caranguejos e ir de novo. Dormi zangado sei lá, com um peso em mim... Se um amigo me avisou, então tenho que ir falar com ele melhor.

...

Este foi o dia 2, pessoas magoadas, canas perdidas, um senhor partiu também a cana, pessoas no chão varridas pelo mar, vidas que por entre um SET, podiam ter sucumbido. Facilitar é no que dá... E atenção que o WINDGURU só dava 10/11 de aguagem, o que não é nada alto... Isto para verem o que é o mar. Ontem tinha estado 13 e não sofremos tanto...

...


Dia 1: O dia em que tornei a pescar ao lado de um grande amigo. Nem tudo é mau malta, por isso depois de lerem tanto, vamos ao relato mais feliz, também com perigos como vão perceber, mas mais controlados...

Tinha combinado com o Guilhas ir a bóia e por isso no dia anterior tinha ido apanhar caranguejo para os dois. Ainda me doem as pernas de baixar e levantar a apanhar caranguejo, lol, a idade não perdoa...

Combinei com o Guilherme as 11 horas nas bombas da BP mas cheguei 40 minutos antes e aproveitei para tomar o pequeno almoço com toda a calma... Quando ele chegou já tinha o café pago, foi beber e seguir...



Chegámos ao pontão e o mar estava realmente grande para uma maré que só levava 2 horas e tal enchente... Montei a cana, tentei pescar e senti logo peixe... Ferro um, e perco outro a seguir... Desferrou belo peixe...

Mais um lançamento e ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, cana ao alto peixe controlado pum pum pum, aquelas cabeçadas brutais e vigorosas, peixe na escoa, e puff... Parte o 0.25 mm. Peixe acima de quilo, já dos velhos que não deu chances com tanta força do mar... Mais uma caranguejo, e ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, pum, pum pum... Escoa muito forte, trabalho o dentolas e peixe cá em cima, um belo sargo... O Guilhas ainda estava a zeros e também já tinha perdido peixe... Logo de seguida ZZZZZZZZZZZZZZ, mais uma arrancada brutal peixe lá bem em baixo e mais um desferrado. O número de peixes a desferrarem foi enorme, a escoa forte ajudava a isso pois sempre que estás a trabalhar um peixe grande que a maioria das vezes está presa pela pelinha é fatal. Mesmo que o trabalhes bem, é difícil sabem, muito mesmo.  Bem, logo de seguida ferro o 3º pum, pum, pum e ZZZZZZZZZZZZZZZ e lá o seguro e trago o 3º... Nisto o Gui lá ferra o 1º e lá desgradou... A malta entretanto com a subida de água ia bazando e o pontão foi sendo varrido principalmente a meio até 3/4...  A subida levou a malta toda embora menos eu, o Gui, e mais um senhor...  Nisto vemos um surfista em apuros... Eles arriscam também, e ali a corrente puxa para trás estando a encher para dar a volta ao pontão. O erro é deixares te ir muito ao bico...


Ele avisava... 




Lá gritámos para ele não nadar contra e deixar se ir que conhecemos aquilo bem e o que acontece é que a corrente leva te e dás a volta ao pontão e depois de estares do outro lado é fácil, basta nadares a favor e a corrente do lado contrário é mais calma e já estás safo... Ele facilmente depois de perceber o erro lá acreditou em nós e deixou se levar pela corrente... e lá foi levado dando a volta  ao pontão. Quando saiu agradeceu... Tudo tranquilo. A pesca é que estava longe de estar tranquila. O mar estava grande e obrigou tudo a fugir mas lá nos fomos mantendo entre salpicos e banhos. O mar lá fora crescia e a dificuldade em pescar era grande... Foi mais por carolice aqueles momentos... Tinha que esperar muito tempo para poder lançar 1 vez a bóia e dar com o sargos... Sabia onde estavam já tinha reparado. E assim que a bóia lá caia ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ, era cada arrancada os macacos comiam caranguejo como tremoços... Ferragens e desferragens, momentos únicos de prazer... A maré não dava tréguas, a altura dela, com uma amplitude acima dos tais 4 metros fazia do pontão parecer um anão... e a cada vaga eu pensava se estava correcto na escolha em ficar e proteger somente as coisas quando o mar varria... Como conheço bem aquilo, a ideia era que a escolha era certa... Eu dizia ao Gui que assim que virasse o mar acalmava como costuma fazer ali e iria deixar pescar...


As nossas Vega Forza Special, um luxo de cana...



Mais um enchio, mais uma corrida, malas defendidas, tudo tranquilo. Foram mais uns quantos e a malta começou a chegar... O mar assim que deixou pescar, estava maravilhoso, espumado, escuro e com peixe. Que podes querer mais? Foi maravilhoso, muitos peixes tirados ZZZZZZZZZZZZZZZZZ´S atrás de ZZZZZZZZZZZZZZZZZZ´S, pum, pum, pum, parece que ainda estou a sentir no braço as cabeçadas deles. Um MUST. São momentos únicos de felicidade, momentos únicos na vida no desporto que eu amo. O mar serenou mesmo e deixou pescar, nada de enchios malucos... A escolha foi certa não foi? Então podia ir a vontade no dia seguinte e seguir a mesma estratégia certo?

...

Pois... O dia 2 foi um filme como já vos expliquei, o dia 2 com um período de vaga/aguagem de 10/11 contra os 13 do dia 1, fez miséria e trocou nos as voltas, a mim e aos que lá perderam material e talvez um pouco da segurança que se tem ao pescar quando se conhece bem um spot. Agora frio lembra me uma coisa... Vou voltar ao futebol e aos meus jogos com a minha equipa de há bastantes anos atrás ( estou a ficar velho sim)... Fizemos centenas de jogos ao longo de 16 anos que jogámos juntos, não me recordo da maioria ao detalhe, mas lembro me sempre deste jogo em questão... Calhou nos uma equipa fraquita, lembro me que só tinha 1 tipo bom, o resto eram caneleiros que só sabiam passar a bola e pouco mais... Ao Intervalo venciamos por 5-0. Nada menos que isso. Pimba. E podiam ser 7 ou 8. Fácil, lembro me que pensava isto vai acabar acima dos 10-0 ou 12-0 a estes tipos...

Aprendi uma lição... Perdemos 5-7. O que parecia seguro, não era, as minha convicções falharam, e nós perdemos o jogo... Ainda hoje não tenho explicação sem ser o facilitismo, e mesmo assim, não sei como foi possível perder com aqueles tipos... Mas a nossa cegueira precipitou o que no fim aconteceu.

Não tornei a menosprezar mais nenhuma equipa contra quem joguei...

Sobre a pesca, aprendi uma lição 32 anos depois de ter começado a pescar... A linha que te separa de viveres ou não na pesca, pode estar num simples enchio, num simples momento de facilitismo provocado quase sempre por uma arrogância silenciosa de quem acha que sabe muito.

E muitos que sabiam muito, já cá não estão para dizer como foi... Não quero que tudo pareça um filme de terror, não foi, existem casos bem piores e mais graves, mas é um aviso a muitos que estão agora a ler. Um enchio é o processo mais perigoso da pesca.

Vou por isso me despedir com um episódio já longo que me aconteceu com o Palma a uns anos de barco. Tinhamos ido aos polvos e tinham dado aguagens a passarem dos 11 aos 19 em 3 horas, quando viemos já o mar era outro e tive que lhe pedir que fossemos embora... Ao chegar a rampa da cova era impossível estabilizar o barco e subir, tal o enchio que ia e vinha como um fantasma...

Resolvemos ir pela rampa que está já na entrada ali da cova nas casas, e passei por momentos que não me posso esquecer. Se algum dia julguei que entendia o que era um enchio naquele dia, levei um doutoramento. Ao tentar meter o barco no atrelado a água desaparecia até ao final do pontão, eu ficava a seco, com cerca de 100 metros de areia seca a minha frente. Eu não estou a abusar, 100 metros, ia até ao final do pontão... Quando ela vinha, em 3 segundos parecia um torpedo e levava me a mim, ao atrelado, ao barco, e chegava me ao peito... voltava a ir... e ficavámos em seco de novo... Nunca teríamos salvo o barco se não fosse um rapaz que nos veio ajudar. Foram momentos de loucura, eu agarrado ao barco quando vinha a água sem conseguir alinhar com o atrelado e era tudo varrido... Um enchio mesmo quando avisa é imprevisível e é o elo mais perigoso da pesca. Tenham cuidado, a sério.

A todos desde já um obrigado por terem lido, e não vou ser chato mas repito: tomem cuidado.

Apenas vos digo que o facilitismo é aliado da estupidez. E eu fui muito estúpido... Ou pelo menos facilitei em demasia. É quando se julga que está ganho, que por norma, se perde...

Ao Guilherme, obrigado por mais este dia maravilhoso de pesca com um grande amigo.

Ao mar... Olha... Tu sabes que eu voltarei, porque faz parte do meu ADN, mas percebi o sinal e espero que tenhas percebido o meu.

Amigos, a linha é mesmo essa... Viver ou não por vezes está num enchio...


Obrigado a todos os que ajudaram.







Material:

Canas: Vega Forza Especial 5 mt. ( 2)

Carretos: Shimano Twin Power FB, Tubertini Luís

Isco: Caranguejo rijo.



Filipepc

4 comentários:

PEDRO PJPESCADOR disse...

É bom ler este relato depois de tudo o que aconteceu...é sinal que estamos cá e que apenas danos materiais foram perdidos...Como o Filipe diz e com razão foram momentos intensos e arriscados mas pensando sempre que eram controlados, o mar desta vez não teve piedade e fez de varios pescadores meras folhas de papel...a experiência por vezes não é tudo e desta vez foi a prova disso, os materiais foram as memórias ficaram, resumindo isso é o mais importante.Aos dois, tanto o rapaz que se jogou à água como ao Filipe que foi intermediário no salvamento da minha mochila, muito obrigado.Serviu de lição mas não me deitou abaixo, brevemente irei "conversar" com ele...temos contas para ajustar.DIAS NÃO SÃO DIAS, ESTE GANHOU ELE PARA O PRÓXIMO GANHAMOS NÓS.

Cláudio Morais disse...

Para ler e reflectir.... O mar é bem traiçoeiro e manhoso...

Há sempre uma onda que vem do nada, um set mais forte e como dizes e bem, todo o cuidado é pouco e o facilitismo por vezes é fatal.
Os bens materiais é uma porcaria, mas pode sempre ser pior... :\

Grande abraço!

luisfgpinto disse...

Relato do melhor que se pode ler, o importante é a vida e teres-te safado, o material compra-se mais já a vida isso não acontece.
Também já perdi todo o meu material aí apenas ficou a cana q tinha na mão e a mochila da carteira e chaves do carro q ficaram presas nas rochas e por sorte o meu miúdo não foi parar ao outro lado pq estava próximo e deitei-lhe a mão não o deixando arrastar pela água.

jose rocha disse...

Gostava se possível de saber o local onde foram feitas as "filmagens". Os meus parabéns pelo argumento, a recordar os velhos filmes de cowboys, no final o artista safou-se ... Parabéns e obrigado pela história.